24 de ago. de 2009

Ecologic - 22/08



Participação do ÉRA na Feira Mix

18 de ago. de 2009


" Inicialmente, é preciso elucidar as diferenças entre o olhar e o ver. O ver conota um
observador desatento, que abarca uma imagem como um todo, é como uma visão de algo que
não se rompe e onde há sempre uma continuidade. O ver não se fixa num ponto específico, não
foca. De acordo com Sérgio Cardoso, a visão supõe um mundo pleno, inteiro e maciço, e crê no
seu acabamento e totalidade, ela opera por soma, acumulação e envolvimento; busca o
espraiamento, a abrangência, a horizontalidade; e projeta, assim, um mundo contínuo. Já o
universo do olhar, segundo Cardoso, se caracteriza pelo oposto, o olhar investiga, indaga, rompe
a imagem e a transforma em paisagem. É sempre direcionado e atento, “ele ilumina as dobras da
paisagem. O olhar não descansa sobre a paisagem contínua, mas se enreda nos interstícios de
extensões descontínuas” (CARDOSO, 1988, 349). Ou seja, o olhar dá lugar a uma espécie de
lusco-fusco de zonas claras e escuras, ele se esquiva da continuidade e da totalização, ele fixase,
ao contrário da visão, que se dispersa num todo. A partir deste paralelo compreende-se que a
separação entre estas duas formas de observação tem se tornado, cada vez mais clara em nossa
contemporaneidade, o homem tem visto, entretanto, não tem olhado o mundo em que vive.

Sobre o olhar contemporâneo, deve-se compreendê-lo como conseqüência de um
contexto formado por uma gama de transformações que culminaram hoje em uma sociedade
habituada ao imediatismo. As imagens que são rapidamente enviadas via celular, as máquinas
de fotografia digital e a Internet são elementos inegáveis de evolução e transformação. Nas artes
visuais o artista começa a compreender e a se relacionar com estes novos meios, assim como o
pintor do século XIX, que se viu obrigado a mudar sua maneira de observar com o advento da
fotografia. O artista hoje vive dentro de um contexto em que busca, muitas das vezes
involuntariamente, novas formas de olhar, formas estas que certamente criarão novos
imaginários."
Texto: O olhar na contemporaneidade
Cristiane P. de Alcântara, Graduada pela UFU. Especialização em Arquitetura e patrimônio construído pela Universidade de Arquitetura do Porto, Portugal. Artista plástica e Design. Atualmente cursa no Mestrado em Arte no Instituto de Artes da UnB.

7 de abr. de 2008

Corpo e sujeito

Emprestar seu corpo à obra, dar à obra um corpo, ou ainda, fazer do corpo uma obra – essas expressões não dizem tudo, e mostram o jogo mesmo de que se trata entre corpo e arte, entre corpo e sujeito. Algo se subtrai e nos atinge, na presença maciça de um corpo oferecido ao olhar. Nesse jogo, refletir sobre a Performance é construir uma reflexão sobre a própria noção de sujeito, hoje. Em outras palavras, a performance põe em questão o sujeito – e a arte, talvez seu reduto mais próprio.

O sujeito de que se trata hoje na arte não é mais aquele olho soberano capaz de ordenar a representação em regras mais ou menos fixas. Ele é outro: descentrado, não está mais no centro organizador da representação. O sujeito que retorna na arte contemporânea se desmaterializou e problematizou suas fronteiras em relação ao outro, no mesmo passo em que se temporalizou e se deslocou em uma nova concepção, fragmentada, do espaço. Uma vez abandonado seu lugar como origem inequívoca da representação, o sujeito volta de fora da representação, como corpo real, o que reconfigura suas relações consigo próprio, com o objeto e com o espaço. O sujeito recusa-se a se assimilar ao olho ideal e, nesse deslocamento, perde seu lugar de direito para retornar como questão, convocação direta do espectador.
Marina Abramovic em Rhythm 0, realizada em 1974, se entregava inteiramente à manipulação dos espectadores, a quem oferecia para tal fim objetos como batom, perfume, fósforos, água, uma vela, uma arma, uma bala, uma serra, um machado, agulhas, uma tesoura, mel, uvas, enxofre: “Há setenta e dois objetos sobre a mesa que podem ser usados em mim como desejarem. Eu sou o objeto”.(15) Seis horas mais tarde, após Marina ter sido despida, cortada, pintada, limpa, coroada com espinhos e ter tido a arma, carregada, apontada para sua cabeça, a performance foi interrompida por espectadores preocupados com seu desfecho.
Yoko Ono já havia, em sua Cut Piece, de 1964, convidado o público a utilizar uma tesoura afiada para cortar suas roupas, desnudando-a.(16) Ambas artistas, nessas ações, oferecem-se ao outro como objeto, levando ao seu limite a alternância entre sujeito e objeto, revelando a condição fundamental do eu como objeto para si mesmo e para o outro, e sua possibilidade de se oferecer ao outro como objeto – se assujeitar – para poder tomar a posição de sujeito (e desejar, ou seja, reafirmar seu apetite do objeto). É necessário varrer de nossa idéia a tradicional diferenciação complementar entre sujeito e objeto, para poder espiar entre eles uma certa vertigem, uma fabulosa e perigosa oscilação. Não se trata, aí, de tornar-se outro como em um jogo de espelhos, sem restos e de forma inócua, numa complementar troca de papéis. Trata-se, para o sujeito, de assumir, por um breve instante quase insuportável, sua condição de quase-objeto, e com isso ver-se quase-sujeito: não propriamente sujeito de seus atos, mas assujeitado a eles. Algo se corta como a roupa de Yoko, algo cai e se perde, nessa arriscada encarnação do sujeito realizada pela Performance.
A proposta de Marina Abramovic deixa claro o caráter de participação buscada no espectador. Trata-se aí de uma espécie de armadilha: os espectadores tornam-se, diante da proposta e, mais radicalmente, da encarnação da mesma pelas artistas, participantes cruéis e capazes de quase matar essas artistas, surpreendentemente – ou melhor, conforme o esperado, em acordo com próprios instrumentos a eles oferecidos e a declaração-ato da artista (“Eu sou o objeto”). Faço-me cortar, faço-me ferir e ameaçar graças ao outro, enlaçando-o num circuito irresistível, pois materializo aí um quase-objeto que põe em vertigem seus olhadores. Estes podem, então, sentir-se chamados a reduzir esse quase-objeto a um verdadeiro objeto – nem que seja, recurso extremo e infalível, por sua morte.
Resistente ao domínio da imagem, denunciadora da falácia do objeto per se, a performance não pode se definir pela presença do corpo, mas apenas por uma realização que se inscreve em um momento temporal para, em seguida, perder-se essencialmente. Ela é sobretudo ato. Tal ato implica, como vimos com Yoko Ono e Marina Abramovic, em um dispositivo que recoloca em jogo as posições de sujeito e objeto, convocando o olhar.
Já Lygia Clark, em seu Caminhando, de 1963, faz do corte transversal da fita unilátera o próprio trabalho artístico. Esse corte virtualmente infinito, pois pode prosseguir incessantemente, gerando uma banda cada vez mais longa, até que a largura da fita não permita mais que a tesoura prossiga – nele a fita de Moebius quase desaparece – torna-se não mais do que o ato de cortar, incessante, e no entanto limitado. O sujeito, aí, não se divide de uma vez, mas se temporaliza, torna-se mais agudamente este corte ao se fazer, se põe em marcha como nada mais que esse próprio ato, materializa-se como não mais do que um sutil, mas poderoso efeito de subversão espacial. O Caminhando põe radicalmente em questão o estatuto do objeto e do sujeito na arte, em prol de nada além de um simples ato se desenrolando no tempo. O objeto quase desaparece, e deixa de ser o complemento fixo, correlativo do sujeito. O ato promove uma espécie de coalescência entre objeto e sujeito que desloca um e outro, em favor de um espaço definido pelo movimento. Digamos, tal ato poético – é radical e estranhamente delicado. Lacan refere-se a um 'gesto', como o de passar uma página, que seria capaz de mudar o sujeito.(27) Vibração sutil, oscilação da vida por um fio, que intervém de chofre no espaço comum, comunitário, para mudar-lhe as feições. No teatro, digamos, tradicional, a separação entre cena e público assegura a partilha entre ficção e realidade, abrindo o espaço narrativo como uma janela que o espectador não ultrapassa, ou só ultrapassa de maneira pontual. Já a performance nasce misturada à vida, ela é acontecimento e não narração, se põe frente a nós, nos faz esbarrar ou desvia nosso caminho, pretende transformar o espaço cotidiano.
“O que é um gesto?”




Quem? O que É o que é?

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Vitória, ES, Brazil
“O artista é um operador de gestos” (R. Barthes) Trajetória iniciada desde 2006, com performances e ações interventivas. Interesse pela cartografia de mapas de sentido do vivido à partir de ritualizações, gestos e sutilezas do cotidiano. A pesquisa gira em torno de ações para “... tornar a vida mais poética” a partir da imersão numa estética relacional que investiga transformações latentes do espaço-tempo, ocupações humanas e redes de agenciamentos possíveis.